Doze projetos realizados no Brasil serão premiados no maior concurso de designers dos Estados Unidos. O desafio agora é fazer com que os prêmios ajudem a vencer as dificuldades de criar produtos inovadores no país
Por Adriana Pavlova
EXAME Para um designer, receber um prêmio Idea é uma experiência comparável a ganhar um Oscar. Criado pela Sociedade Americana dos Designers Industriais em 1980, o concurso escolhe, premia e divulga mundo afora o que existe de melhor em termos de produtos, embalagens e conceitos de desenho industrial. Neste ano, a premiação terá um significado especial para o Brasil. Dos 205 prêmios que serão distribuídos em uma festa de gala marcada para o dia 13 de setembro, 12 caberão a designers brasileiros. Trata-se de uma conquista inédita, que colocou o país na terceira posição entre os ganhadores, atrás apenas dos Estados Unidos (com 114 prêmios) e da Coréia do Sul (com 19). Ao todo, o Brasil concorreu com 53 projetos, selecionados em uma etapa do concurso realizada em São Paulo e batizada de Idea/Brasil — a única seletiva fora dos Estados Unidos. Quando entrarem no salão de festas do hotel Arizona Biltmore, na cidade de Phoenix — ele próprio um monumento modernista cuja construção, em 1929, foi supervisionada pelo arquiteto Frank Lloyd Wright —, os brasileiros estarão lado a lado com criadores de produtos como o MacBook Air e o iPhone, ambos da Apple. “Foi um resultado surpreendente para nós”, diz Joice Joppert Leal, coordenadora da etapa brasileira do concurso. “É um grande passo para o design brasileiro, que passou a ter uma visibilidade inédita no mercado americano, o maior do mundo.”
A lista dos projetos premiados nas duas etapas do Idea oferece um panorama das principais tendências que norteiam o design brasileiro. Fazem parte da seleção desde produtos dirigidos aos consumidores de baixa renda — a máquina de lavar SuperPop, produzida pela empresa paranaense Mueller — até equipamentos para o efervescente setor do agronegócio — no caso, a máquina pulverizadora Parruda, fabricada pela também paranaense Montana. Além de produtos acabados, a lista inclui projetos de ambientes como o do Octávio Café e da Livraria Cultura, ambos em São Paulo, que buscam integrar o consumidor ao universo dos produtos que vendem, ao estimular, respectivamente, a degustação do café e o manuseio e a leitura dos livros. “O Brasil é um país que trilhou seus próprios caminhos no processo de industrialização, e isso gerou conceitos de design bastante específicos, voltados para atender às necessidades da economia local”, diz o consultor de design Tucker Viemeister, do Rockwell Group de Nova York, um dos responsáveis pela seleção dos projetos brasileiros na premiação do Idea. “Agora, chegou o momento de apresentar essa diversidade ao resto do mundo.”
Um estudo recente realizado pela consultoria americana Peer Insight com 40 grandes empresas globais demonstra que companhias que se preocupam com o impacto que o design de seus produtos tem sobre os consumidores apresentam resultados superiores às demais. Não à toa, corporações como Apple, Nike, Coca-Cola, Procter & Gamble, Philips e Samsung transformaram suas áreas de design em departamentos estratégicos capazes de influenciar todo o modelo de negócios. Várias dessas empresas entronizaram no alto comando a figura do chief designer officer, o principal executivo de design, com poderes para dar palpite em todas as áreas de uma companhia e que se reporta unicamente ao presidente. Essa é uma realidade ainda distante das empresas brasileiras, que só agora começam a estruturar seus departamentos de desenho e estilo. A Embraer é uma delas. Em 2004, a empresa criou em São José dos Campos, no interior de São Paulo, um novo departamento batizado de Embraer Design Studio. Hoje, já começa a colher resultados do investimento — um dos aviões executivos da empresa, o Lineage 1 000, produzido com base no modelo Embraer 190, foi finalista na seleção do Idea na categoria transporte. O Lineage, que custa 43 milhões de dólares, foi desenvolvido na empresa com a participação do escritório inglês Priestman Goode. O resultado final chama a atenção pelo luxo do interior da aeronave. “A idéia é que nossos aviões não se destaquem apenas por sua tecnologia mas também pelo design”, diz o designer Anderson de Góes Monteiro, um dos responsáveis pelo projeto do Lineage 1 000. “Ter um escritório de design dentro da fábrica é muito importante, dá agilidade aos processos, mas isso não significa que deixamos de lado parceiras com escritórios do exterior.”
O bom momento do design brasileiro pode ser medido também pela importância que as multinacionais instaladas no país têm dado à inovação e ao desenho dos produtos feitos aqui. O centro de design da Motorola em São Paulo, por exemplo, é responsável pelo desenvolvimento de celulares para o mercado latino-americano, mas é comum que os aparelhos criados no Brasil sejam adotados pela empresa em vários outros mercados. Foi o caso do MotoID, software que identifica músicas captadas no ambiente por um dispositivo instalado no celular. Além da América Latina, o dispositivo é vendido na Ásia e está em fase de negociação para venda nos Estados Unidos. Da mesma forma, a alemã Faber-Castell comercializa em 18 países — inclusive na Alemanha — um estojo de lápis de cor criado e produzido no Brasil, batizado de Flip-Box. Premiado em oito concursos internacionais, entre eles a etapa brasileira do Idea, o estojo desenhado pelo estúdio brasileiro Gad’Branding & Design foi o primeiro produto da Faber-Castell criado fora da sede. “O design é estratégico na disputa com os concorrentes, e a produção brasileira acaba sendo beneficiada, porque é diferente do que se produz lá fora”, diz o designer Marcos Roismann, criador do estojo da Faber-Castell.
Apesar do sucesso internacional, o design brasileiro ainda engatinha quando comparado ao que acontece na Europa, nos Estados Unidos e mesmo em países de desenvolvimento mais recente como a Coréia do Sul. As empresas brasileiras que investem de fato nessa área ainda são exceção. “Hoje a indústria que mais faz design no Brasil é a multinacional, e essa é uma realidade que precisar mudar se quisermos ter uma indústria brasileira verdadeiramente competitiva no mercado internacional”, diz o designer Guto Índio da Costa, autor de projetos premiados, como o ventilador Spirit e a linha de refrigeradores Imagination, produzida pela marca americana GE no Brasil. Da mesma forma, os bons cursos de desenho industrial no país se limitam a um reduzidíssimo grupo de instituições como a Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que forma apenas 35 novos designers a cada ano. Por isso, carreiras como a do designer Raul Pires, chefe de design da montadora britânica Bentley, são raríssimas (veja quadro). “A produção brasileira ainda é muito reduzida”, diz Jorge Lopes, designer do Instituto Nacional de Tecnologia e pesquisador do Royal College of Art de Londres. “Só com uma produção prolífica é que um dia teremos grandes nomes do design capazes de apresentar linguagens realmente inovadoras.” Seria alentador se os prêmios brasileiros no Idea servissem de estímulo para mudar tal cenário.
Octávio Caféprojeto Seragini Farné Guardado Design, de São Paulo (SP)Construído de vidro e madeira, o Octávio Café foi inspirado na forma de uma xícara. Por dentro, exibe cada passo do processo de produção do café — o ponto alto é a torrefadora instalada no balcão. As cores dos móveis e das paredes reproduzem as dos grãos nas diferentes fases do processo de torragem. A rampa de acesso ao 2o andar é usada para projeções multimídia que contam a história do café, com tecnologia similar à do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.
terça-feira, 25 de novembro de 2008
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